Há, em Contos Brutos, um sentimento de anomia. O indivíduo, em conflito íntimo, encontra dificuldade para adequar-se às exigências autoritárias, sejam elas externas ou provocadas (pasme) por ele mesmo. As narrativas também se espraiam por jogos de poder, violência, pelas discussões de feminino e masculino e do papel do ser humano enquanto ser vivente e desejante. Como escreveu o filósofo Michel Foucault, o poder não é algo localizado nas instituições, mas construído a partir de uma microfísica articulada entre Estado e estrutura social. Existem, portanto, a dimensão humana e a dimensão política do poder, da autoridade e, consequentemente, do autoritarismo. Em busca da compreensão dessas esferas, trabalha a Literatura. Não por que possa traduzir ipsis literis a realidade – o espaço literário, como bem pontuou o teórico E. M. Forster, é mais fruto das regras internas da linguagem do que uma mimese do mundo. No entanto, a potência da palavra torna possível exagerar, diminuir, alterar, sobressair, de forma que aquilo que no mundo é enevoado torna-se, não raro, claro sob a luz da Literatura. É como se a Literatura partisse dos objetos e ações do mundo para vivificá-los e tirá-los de sua sonolência e/ou negação. É o que acontece em Contos Brutos. Velado, nu, ambíguo, cru, o autoritarismo vem para o centro da narrativa para que possamos dissecá-lo, esmiuçá-lo, entender seus símbolos, seus vetores (ou quem sabe até reconhecê-lo em nós mesmos). Se calhar, vale até deixar o livro distraidamente sobre a mesa de centro daquele parente com quem você brigou no Natal passado.